Na foto a actriz Teresa Wright (1918-2005), vencedora do Óscar para a Melhor Actriz em Papel Secundário no filme Mrs Miniver (1942) de William Wyler
“Cuidado com aquele que tem o hábito de ler os seus versos em público,
seguramente é pessoa com outros defeitos”. (R.A.Heilein)
seguramente é pessoa com outros defeitos”. (R.A.Heilein)
Eu e a Teresa costumávamos conversar muito. Como só nos encontrávamos nas férias de Verão, usufruíamos com um prazer sempre renovado aquelas noites quentes. Ao mesmo tempo, relembrávamos tudo quanto se tinha passado connosco no resto do ano. Falávamos dos novos amigos feitos e das esperanças despontadas com essas novas amizades; do que de bom e de mau nos tinha acontecido, dos novos planos para o futuro próximo, etc.
Trocávamos impressões e ouvíamos sedentos os comentários um do outro.
Era uma amizade perfeita, não comungávamos de todas as opiniões, mas respeitávamos o que o outro pensava sem ajuizar valores.
Conversávamos abertamente sobre todos os temas: Ela falou-me do trauma da sua primeira experiência sexual e eu do meu primeiro fracasso; contava-me sobre os seus desamores e eu dos meus desesencontros.
Conforme a nossa educação e cultura foram sendo aprimoradas, iniciámos discussões de âmbito científico e filosófico, e de cada vez nos sentíamos mais próximos um do outro.
No nosso terceiro Verão juntos, e depois de termos verificado como nos dávamos bem, falámos na hipótese de adicionar o sexo à nossa amizade. Chegámos à conclusão que não, ambos gostávamos muito dos prazeres da carne, mas concluímos que se isso entrasse naquela relação, iríamos perder tudo o resto que nos unia - anos depois veríamos que essa tinha sido uma das mais duras e acertadas medidas que tínhamos tomado, mas isso é uma outra história.
Parecia que uma amizade assim não podia ter segredos, mas enganei-me. Teresa tinha um segredo que só descobri por um acaso e após muitos anos de relacionamento: ela escrevia.
Quando a confrontei com essa descoberta ela não a desmentiu, mas surpreendeu-me a justificação para que nunca me tivesse falado disso:
«Escrever é para mim um acto muito íntimo. Uso-o para registrar os meus conhecimentos, sentimentos e emoções do momento. Sejam estes registos saudáveis ou completamente podres, eu me sirvo deles para testar a minha evolução como ser humano. Por isso mesmo, é coisa que faço sempre em privado e tendo depois, sempre o cuidado de lavar muito bem as mãos».
Perante as minhas reclamações, concluiu:
«Um poema de amor, por muito bem declamado que seja, tem sempre menos força que um insulto bem dirigido. Ler ou dar a ler o que escrevo, revelaria a maneira como me vejo, e delataria as sombras que vejo em mim. Como tal, deixo essa apreciação para quando eu não puder fazer mais nada em relação a isso».
Hoje, sou casado com ela. Temos três filhos e dois netos; passámos por duas hipotecas e uma guerra; assistimos ao pousar do homem na Lua e à queda do bloco Soviético; à Sexta-feira ela ainda coloca o seu vestido de beijar para nos amarmos como quando éramos jovens. Mas apesar de tudo isto, ainda não consegui ler uma única linha escrita por ela.
(Henrique Moreira - 2001)
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