segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Pergunta-se.

Quem lida com crianças já deve ter-se confrontado com algumas situações de perguntas desenfreadas e completamente absurdas, do tipo: Porque é que o fogo queima? Porque faz barulho o relâmpago; De onde vêm os bebés? O Pai Natal existe? Etc. etc. etc.

Mas se pensarmos bem, chamamos este tipo de perguntas absurdas, porque na maior parte das vezes não sabemos a resposta, ou não temos à-vontade suficiente para darmos a resposta que conhecemos. Ficamos tão inseguros com este tipo de interrogatório, que o chamamos de absurdo e rezamos a todos os deuses ( os nossos e os dos outros ) para que a criança se distraia e nos liberte daquele sufoco.

Mas eu afirmo que, essas perguntas são as que verdadeiramente importam. Isto é tão verdade que, com o crescimento as crianças deixam de as fazer, transformando-as em outras cujas respostas são muito mais acessíveis, do tipo: Posso dormir fora? Empresta-me o carro? Posso faltar à escola? Etc.

Mas, reafirmo o que disse anteriormente, são as perguntas iniciais as verdadeiramente importantes e devemos sempre estar preparados para responder a elas, mesmo sabendo que um dias eles deixarão de as fazer.

No entanto, há crianças que durante toda a sua vida manterão este tipo de questões.
Acabarão por se tornar poetas, físicos ou filósofos.
Deus as abençoe.

(Henrique Moreira - 2011)

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Estranha sensação

Hoje acordei sentindo uma imensa saudade de ti.
Procuro em mim as tuas imagens, mas és como um rio que corre pela minha vida:

a água que passou, não é mais a que passa. O mesmo rio, mas não a mesma água.
E a cada momento de saudade, "esburaca-se" mais o meu peito.
Estranha esta sensação: sedento nas margens de um rio.

Hoje acordei sentindo uma enorme saudade tua.
É como se a tua invisibilidade me abraçasse, mas o acalanto longínquo, distante.

Como estar esfomeado de vida e só sentir os aromas da ambrósia.
Aumenta a sede, a fome, o apetite e a saudade.
Hoje fui acordado pela Saudade

Acordou-me a Saudade com palavras estranhas:
"Só os que amam sentem a minha presença."
Acordou-me a Saudade com palavras singulares:
"Não me guardes no peito, solta-me em palavras."

Senti a presença, soltei as palavras...
Mas a Saudade tinha enlouquecido de saudades.
Não as podendo "matar", definho com elas...

(Henrique Moreira - 2011)

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Tempestad(e)

O vento do Norte sopra forte e impiedoso e ele sente o seu corpo balançar ao sabor dos seus repentinos excessos. Semicerra os olhos e tenta vislumbrar de onde vem tanta violência. Vê o negro recorte de uma frente escura que se aproxima com pressa em deixar assinatura na sua fragilidade.
O seu primeiro impulso é fugir, procurar abrigo, mas algo o segura. Vozes dizem-lhe que nunca conseguirá testar a solidez do seu chão se caminhar somente sob as cálidas carícias do Sol.
Fica e testa... e testa-se.

Tudo acontece com uma estranha rapidez e sobrevive.
Continua ele, mas ao mesmo tempo não é mais quem era.

É por isso que ele ama tempestades. Elas mudam-no a cada rajada de vento.

(Henrique Moreira - 2010)

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Lobo

Como quase todo o leitor, tenho em casa três tipos de livros: os lidos e relidos; os ainda por ler e os que nunca lerei. Peguei num dos do segundo grupo. Não o escolhi bem ao acaso, limitei-me a pegar o menos volumoso, pois naquela noite sentia-me distante demais para entrar num leitura longa, coisa que sempre exige de mim muita atenção.

Olhei a capa e li “O axioma”. Satisfeito com o título sugestivo neste encontro casual, dirigi-me à poltrona das leituras para iniciar a função. Instalei-me confortavelmente, sorvi um pequeno gole de Chivas 21 que sempre reservo para estas sessões e abri o livro.

“Era um noite de tempestade...“

Foi o suficiente. Bastaram cinco palavras para que a minha viagem começasse.
«E lá estava eu num bosque, no meio de uma chuva torrencial, iluminado por relâmpagos estrondosos.

Para fugir à lama que descia a encosta não muito íngreme, eu tentava manter-me num pequeno trilho pisado por muitos caminhantes antes de mim. Não era uma tarefa fácil devido à escuridão, mas mesmo assim não me estava saindo muito mal.

Foi então que encontrei aquela clareira. Não era muito grande, mas a falta de árvores ali permitia que a luz vinda dos raios demorasse mais a extinguir-se. E foi então que o vi.

Primeiro dois pontos luminosos impossíveis de identificar, mas o relâmpago seguinte logo revelou a silhueta de um lobo.
Todas as histórias de lobos ouvidas na infância vieram-me à memória e isso foi o pior que podia ter-me acontecido. Medos antigos e irracionais tomam-me a mente e começo a tremer violentamente. Novo relâmpago e vejo que afinal o lobo não está só. Vejo dois. Não, são quatro... uma alcateia, feras prontas a devorarem-me.
O terror faz-me cair para trás e abro desesperadamente os olhos... »

Ainda estou na minha sala, sentado na minha poltrona, vejo “O axioma” caído aos meus pés e o copo de Chivas em cima da mesinha. Faço várias inspirações violentas para retomar o ritmo cardíaco e sossegar do susto. Ainda a tremer bastante, consigo beber um gole de whisky, que ajudou bastante na recuperação.

Mais calmo, recosto-me e fico pensando no que aconteceu. Fecho os olhos e...

«Encontro-me novamente naquela clareira. A tempestade está mais forte do que nunca e as minhas preocupações aumentam.
Olho para o lado e vejo a minha companheira tentando proteger as nossas duas crias da água que a pequena gruta onde estávamos, não abrigava completamente.
Mas a minha preocupação não era agora a água, mas sim o homem que estava do outro lado da clareira. A ancestralidade da minha herança identificava-o como um matador de lobos, um predador implacável que devia sempre ser evitado.
Mas agora era diferente, eu tinha uma família e não ia deixá-los à mercê daquela fera.
Lentamente levanto-me e dirijo-me em sua direcção. Talvez tenha feito isso energicamente demais, pois derrubo algo que distrai a minha atenção, ao tentar descobrir o que é...»

Vejo que ainda estou na minha sala. Mas estou de quatro gatinhando em direcção à porta.

Raios! Derrubei o candeeiro de pé alto. Mas... o que estou fazendo?
Lembrei-me do lobo e senti-me embaraçado... a minha imaginação estava me levando para esferas muito estranhas.
Ainda bem que estava sozinho em casa e ninguém assistiu.

Recordando esta peripécia, fico pensando: de que lado da clareira estava a irracionalidade?

(Henrique Moreira - 1985)