sábado, 28 de janeiro de 2012

Estranha Sensação

Hoje acordei sentindo uma imensa saudade de ti.
Procuro em mim as tuas imagens, mas és como um rio que corre pela minha vida:

a água que passou, não é mais a que passa. O mesmo rio, mas não a mesma água.
E a cada momento de saudade, "esburaca-se" mais o meu peito.
Estranha esta sensação: sedento nas margens de um rio.

Hoje acordei sentindo uma enorme saudade tua.
É como se a tua invisibilidade me abraçasse, mas o acalanto longínquo, distante.

Como estar esfomeado de vida e só sentir os aromas da ambrósia.
Aumenta a sede, a fome, o apetite e a saudade.
Hoje fui acordado pela Saudade

Acordou-me a Saudade com palavras estranhas:
"Só os que amam sentem a minha presença."
Acordou-me a Saudade com palavras singulares:
"Não me guardes no peito, solta-me em palavras."

Senti a presença, soltei as palavras...
Mas a Saudade tinha enlouquecido de saudades.
Não as podendo "matar", definho com elas...

(Henrique Moreira - 2010)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Esconderijos

Naquele dia, vi o horizonte de um modo diferente. Não me pareceu tão longínquo, sentia-o bem mais perto do que o costume. Uma sensação de sufoco tomou-me a garganta e todo o meu ser e saí correndo. Faltava-me o ar e o espaço.

Em volta de mim pressenti a presença dos espíritos antepassados, seguiam-me e olhavam-me com dó. Esta comiseração ainda me fez mais afundar no vazio tão cheio da minha existência.

Encurralado pelas presenças não desejadas, corri. Fugi para terra de ninguém procurando uma libertação. Escondi-me por detrás de mim mesmo tentando enganar os perseguidores, mas os fantasmas do meu desassossego não me largavam.

Cansado, abrandei o passo. Exausto, mal punha pé ante pé. E de repente, senti-me afundar na terra. O Horizonte ainda estava perto demais, as presenças ainda continuavam ali, mas como de uma maneira mágica e solene, tudo parou. Eu afundando-me na terra tendo os meus fantasmas como testemunhas.

Mas, sentindo-me a afundar, eu não perdia o horizonte de vista, eu continuava sentindo as presenças e olhei os meus pés! Continuavam em solo firme, a sensação de afundamento nada tinha a ver com a realidade do momento. Eu continuava a cair sem sair do mesmo lugar. Deixei-me ir neste abandono, e sentei-me. Ouvi os meus fantasmas murmurarem:

- «Está em solo sagrado».

E aquela expressão “solo sagrado” bateu-me com a força de um martelo, despertando-me dos meus medos, e meditei, e senti.

Senti o sacrossanto do lugar, mas principalmente senti porque é que o solo era sagrado: nunca antes tinha sido pisado por ser vivo. Era um refúgio que fez parar a minha fuga. O horizonte parou a sua aproximação e os fantasmas a sua perseguição. Mas estavam ali, esperando por mim.


Olhei para dentro de mim, procurando uma porta por onde pudesse entrar, um canto mais escuro e sombrio onde me esconder, mas havia a luz! Cerrei os olhos com força e a luz sumiu. Mas havia o som!
Cerrei os ouvidos e o som desapareceu. Mas havia o odor! Tapei o nariz e os aromas desvaneceram-se.
Quando os sentidos começaram a ignorar as solicitações externas, foi surgindo um som, um arfar grave e cavernoso. Logo percebi que estava ouvindo o som da minha respiração assustada. E parei de respirar. Quando parecia que o som se tinha ido, vem um bater. Um bater ritmado, que me tomou a mente e a alma. Com tristeza percebi que estava ouvindo o meu coração. E agora? Como fazer para o parar?

Uma dor apoderou-se de mim, ao entender que para conseguir a libertação da vida, teria que perder essa mesma vida.

Foi então que ouvi rir atrás de mim. Virei-me de repente e vi-me a mim mesmo em forma de menino. Uma imagem sorridente, que me falou em ar de troça:

- És uma besta! Vem... vem brincar! - disse aquele menino-Eu

Levantei-me e olhei em volta. Não vi mais fantasmas e o horizonte lá estava como sempre, longínquo e inatingível.

(Henrique Moreira - 1990)

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Testemunha Silenciosa

Apreensiva, ela tentava afastar os seus receios com um cantarolar nervoso. Embora fizesse aquele caminho muitas vezes, sentia-se sempre apreensiva. O local já tinha sido palco de atrocidades que nunca chegaram a ser resolvidas.

Era um parque que, embora bem iluminado, tinha muitos recantos escuros e sombrios que no seu imaginário escondiam riscos incontáveis. Um imaginário, que era alimentado por fatais realidades passadas com outras mulheres antes dela.

Ela não sabia. Eu não ainda sabia. Mas ele sabia bem o que ia acontecer de seguida.
Escondido por detrás de uma árvore que ladeava o caminho confundindo-se com o pardacento do lugar, ele esperava por ela.

Há algum tempo que ele a seguia, conhecendo-lhe os hábitos, os horários, os passos, os lugares e os caminhos. Ele que a tinha eleito para nessa noite ser rainha, esperava-a de navalha afiada e pronta.

Entendi então o que iria passar-se, já o tinha visto fazer coisas igualmente incompreensíveis para mim.

Perdendo a curiosidade, bati asas e voei para outra árvore.

(Henrique Moreira - 2001)

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Errare

Queria pensar sempre certo
fugir deste meu lado errado
mas o erro mora bem perto
e de coisa certa disfarçado

Errando em caminho forçado
limito o erro p´lo que é certo
mas erro sempre um bom bocado
por manter o coração aberto

De tanto errar não me acerto
há pois um erro em mim decerto
que me faz ser sempre errado

quiçá p'lo coração aberto
e assim por demais desperto
o deva então manter fechado

(Henrique Moreira - 2009)