Naquele dia, vi o horizonte de um modo diferente. Não me pareceu tão longínquo, sentia-o bem mais perto do que o costume. Uma sensação de sufoco tomou-me a garganta e todo o meu ser e saí correndo. Faltava-me o ar e o espaço.
Em volta de mim pressenti a presença dos espíritos antepassados, seguiam-me e olhavam-me com dó. Esta comiseração ainda me fez mais afundar no vazio tão cheio da minha existência.
Encurralado pelas presenças não desejadas, corri. Fugi para terra de ninguém procurando uma libertação. Escondi-me por detrás de mim mesmo tentando enganar os perseguidores, mas os fantasmas do meu desassossego não me largavam.
Cansado, abrandei o passo. Exausto, mal punha pé ante pé. E de repente, senti-me afundar na terra. O Horizonte ainda estava perto demais, as presenças ainda continuavam ali, mas como de uma maneira mágica e solene, tudo parou. Eu afundando-me na terra tendo os meus fantasmas como testemunhas.
Mas, sentindo-me a afundar, eu não perdia o horizonte de vista, eu continuava sentindo as presenças e olhei os meus pés! Continuavam em solo firme, a sensação de afundamento nada tinha a ver com a realidade do momento. Eu continuava a cair sem sair do mesmo lugar. Deixei-me ir neste abandono, e sentei-me. Ouvi os meus fantasmas murmurarem:
- «Está em solo sagrado».
E aquela expressão “solo sagrado” bateu-me com a força de um martelo, despertando-me dos meus medos, e meditei, e senti.
Senti o sacrossanto do lugar, mas principalmente senti porque é que o solo era sagrado: nunca antes tinha sido pisado por ser vivo. Era um refúgio que fez parar a minha fuga. O horizonte parou a sua aproximação e os fantasmas a sua perseguição. Mas estavam ali, esperando por mim.
Olhei para dentro de mim, procurando uma porta por onde pudesse entrar, um canto mais escuro e sombrio onde me esconder, mas havia a luz! Cerrei os olhos com força e a luz sumiu. Mas havia o som!
Cerrei os ouvidos e o som desapareceu. Mas havia o odor! Tapei o nariz e os aromas desvaneceram-se.
Quando os sentidos começaram a ignorar as solicitações externas, foi surgindo um som, um arfar grave e cavernoso. Logo percebi que estava ouvindo o som da minha respiração assustada. E parei de respirar. Quando parecia que o som se tinha ido, vem um bater. Um bater ritmado, que me tomou a mente e a alma. Com tristeza percebi que estava ouvindo o meu coração. E agora? Como fazer para o parar?
Uma dor apoderou-se de mim, ao entender que para conseguir a libertação da vida, teria que perder essa mesma vida.
Foi então que ouvi rir atrás de mim. Virei-me de repente e vi-me a mim mesmo em forma de menino. Uma imagem sorridente, que me falou em ar de troça:
- És uma besta! Vem... vem brincar! - disse aquele menino-Eu
Levantei-me e olhei em volta. Não vi mais fantasmas e o horizonte lá estava como sempre, longínquo e inatingível.
Sem comentários:
Enviar um comentário