quinta-feira, 9 de abril de 2015

Gota Perversa

Do oceano onde me revia
sobrou só uma água de nada
visita-me ela todo o dia
perversa, maldosa e salgada.

Não serve para a sede matar
mas antes salga a minha vida
não parando de gotejar
faz com que a sinta mais sofrida.

Primeiro, brilha dolorosa
depois em queda copiosa
domina todo o meu querer.

Ofusca-me pois esta água
gota-forma da minha mágoa
matiz salgada do meu ser.

(Henrique Moreira)

sábado, 28 de janeiro de 2012

Estranha Sensação

Hoje acordei sentindo uma imensa saudade de ti.
Procuro em mim as tuas imagens, mas és como um rio que corre pela minha vida:

a água que passou, não é mais a que passa. O mesmo rio, mas não a mesma água.
E a cada momento de saudade, "esburaca-se" mais o meu peito.
Estranha esta sensação: sedento nas margens de um rio.

Hoje acordei sentindo uma enorme saudade tua.
É como se a tua invisibilidade me abraçasse, mas o acalanto longínquo, distante.

Como estar esfomeado de vida e só sentir os aromas da ambrósia.
Aumenta a sede, a fome, o apetite e a saudade.
Hoje fui acordado pela Saudade

Acordou-me a Saudade com palavras estranhas:
"Só os que amam sentem a minha presença."
Acordou-me a Saudade com palavras singulares:
"Não me guardes no peito, solta-me em palavras."

Senti a presença, soltei as palavras...
Mas a Saudade tinha enlouquecido de saudades.
Não as podendo "matar", definho com elas...

(Henrique Moreira - 2010)

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Esconderijos

Naquele dia, vi o horizonte de um modo diferente. Não me pareceu tão longínquo, sentia-o bem mais perto do que o costume. Uma sensação de sufoco tomou-me a garganta e todo o meu ser e saí correndo. Faltava-me o ar e o espaço.

Em volta de mim pressenti a presença dos espíritos antepassados, seguiam-me e olhavam-me com dó. Esta comiseração ainda me fez mais afundar no vazio tão cheio da minha existência.

Encurralado pelas presenças não desejadas, corri. Fugi para terra de ninguém procurando uma libertação. Escondi-me por detrás de mim mesmo tentando enganar os perseguidores, mas os fantasmas do meu desassossego não me largavam.

Cansado, abrandei o passo. Exausto, mal punha pé ante pé. E de repente, senti-me afundar na terra. O Horizonte ainda estava perto demais, as presenças ainda continuavam ali, mas como de uma maneira mágica e solene, tudo parou. Eu afundando-me na terra tendo os meus fantasmas como testemunhas.

Mas, sentindo-me a afundar, eu não perdia o horizonte de vista, eu continuava sentindo as presenças e olhei os meus pés! Continuavam em solo firme, a sensação de afundamento nada tinha a ver com a realidade do momento. Eu continuava a cair sem sair do mesmo lugar. Deixei-me ir neste abandono, e sentei-me. Ouvi os meus fantasmas murmurarem:

- «Está em solo sagrado».

E aquela expressão “solo sagrado” bateu-me com a força de um martelo, despertando-me dos meus medos, e meditei, e senti.

Senti o sacrossanto do lugar, mas principalmente senti porque é que o solo era sagrado: nunca antes tinha sido pisado por ser vivo. Era um refúgio que fez parar a minha fuga. O horizonte parou a sua aproximação e os fantasmas a sua perseguição. Mas estavam ali, esperando por mim.


Olhei para dentro de mim, procurando uma porta por onde pudesse entrar, um canto mais escuro e sombrio onde me esconder, mas havia a luz! Cerrei os olhos com força e a luz sumiu. Mas havia o som!
Cerrei os ouvidos e o som desapareceu. Mas havia o odor! Tapei o nariz e os aromas desvaneceram-se.
Quando os sentidos começaram a ignorar as solicitações externas, foi surgindo um som, um arfar grave e cavernoso. Logo percebi que estava ouvindo o som da minha respiração assustada. E parei de respirar. Quando parecia que o som se tinha ido, vem um bater. Um bater ritmado, que me tomou a mente e a alma. Com tristeza percebi que estava ouvindo o meu coração. E agora? Como fazer para o parar?

Uma dor apoderou-se de mim, ao entender que para conseguir a libertação da vida, teria que perder essa mesma vida.

Foi então que ouvi rir atrás de mim. Virei-me de repente e vi-me a mim mesmo em forma de menino. Uma imagem sorridente, que me falou em ar de troça:

- És uma besta! Vem... vem brincar! - disse aquele menino-Eu

Levantei-me e olhei em volta. Não vi mais fantasmas e o horizonte lá estava como sempre, longínquo e inatingível.

(Henrique Moreira - 1990)

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Testemunha Silenciosa

Apreensiva, ela tentava afastar os seus receios com um cantarolar nervoso. Embora fizesse aquele caminho muitas vezes, sentia-se sempre apreensiva. O local já tinha sido palco de atrocidades que nunca chegaram a ser resolvidas.

Era um parque que, embora bem iluminado, tinha muitos recantos escuros e sombrios que no seu imaginário escondiam riscos incontáveis. Um imaginário, que era alimentado por fatais realidades passadas com outras mulheres antes dela.

Ela não sabia. Eu não ainda sabia. Mas ele sabia bem o que ia acontecer de seguida.
Escondido por detrás de uma árvore que ladeava o caminho confundindo-se com o pardacento do lugar, ele esperava por ela.

Há algum tempo que ele a seguia, conhecendo-lhe os hábitos, os horários, os passos, os lugares e os caminhos. Ele que a tinha eleito para nessa noite ser rainha, esperava-a de navalha afiada e pronta.

Entendi então o que iria passar-se, já o tinha visto fazer coisas igualmente incompreensíveis para mim.

Perdendo a curiosidade, bati asas e voei para outra árvore.

(Henrique Moreira - 2001)

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Errare

Queria pensar sempre certo
fugir deste meu lado errado
mas o erro mora bem perto
e de coisa certa disfarçado

Errando em caminho forçado
limito o erro p´lo que é certo
mas erro sempre um bom bocado
por manter o coração aberto

De tanto errar não me acerto
há pois um erro em mim decerto
que me faz ser sempre errado

quiçá p'lo coração aberto
e assim por demais desperto
o deva então manter fechado

(Henrique Moreira - 2009)

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

02 de Dezembro de 2011

Contrariamente ao que costumo fazer e tendo em conta que só eu leio este blog, vou iniciar aqui uma série de crónicas relatando algumas das minhas experiências no mundo teatral.

E para começar, como não podia deixar de ser, vou falar sobre a minha primeira, e até agora única, experiência como actor.

Devo dizer que ser actor, isto é, entrar num palco ou praticável e representar um personagem, nunca foi algo que estivesse na minha lista de coisas a fazer.
Amo o teatro, sem dúvida, mas sempre fui e sempre me vi como um elemento de “backstage” ou de “régie”. Pensar-me sob os olhares de uma audiência é algo que me faz brotar espontaneamente borboletas no estômago.
Confesso que aceitei este desafio, porque inicialmente estaria só como figurante e não havendo trabalho técnico a fazer, não queria perder mais uma oportunidade de fazer o que gosto. Mas logo a seguir colocaram-me um outro repto: criar um texto para uma personagem. Ah! Ia-me esquecendo de referir que esta apresentação foi dada a crianças carentes, numa festa organizada para angariação de fundos para as mesmas. E o tema, como seria inevitável, foi o Natal.
O texto que criei para a mendiga saiu tão bem, que logo a seguir pediram-me para escrever o resto do texto da apresentação. Não foi nada demais, mas foi também a minha primeira experiência como autor.
A coisa começou a complicar-se quando a actriz, para a qual escrevi o monólogo da mendiga, acabou por desistir e me sugeriram para ser eu a dizer esse texto. Inconscientemente aceitei.
Quando a hora da apresentação se aproximou e com somente dois ensaios, as borboletas pularam do estômago para todo o meu corpo. Mas havia duas coisas que me sossegavam: em primeiro lugar estar inserido num grupo espectacular, com actores e actrizes magníficos e que ao mesmo tempo eram (e continuam sendo) pessoas deliciosas; e em segundo, estar dizendo um texto meu (foi isto o que me safou).
Quando chegou a minha hora, as borboletas pareciam morcegos e o medo de esquecer o texto foi substituído pelo receio de ter esquecido como andar.
Como até aquele momento todo o espectáculo tinha corrido tão bem e como eu não queria de maneira alguma manchar a representação já feita, uma força surgiu não sei de onde e dei os primeiros passos… olhei os trapos que trazia vestidos… sorri tristemente e disse:

- Sou um mendigo sim! Ah! Mas já fui pastor.
(…)

Bastaram estas palavras para que os morcegos voltassem a serem borboletas e para que as borboletas voltassem a ser amor.

(Henrique Moreira – 2011)

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Pergunta-se.

Quem lida com crianças já deve ter-se confrontado com algumas situações de perguntas desenfreadas e completamente absurdas, do tipo: Porque é que o fogo queima? Porque faz barulho o relâmpago; De onde vêm os bebés? O Pai Natal existe? Etc. etc. etc.

Mas se pensarmos bem, chamamos este tipo de perguntas absurdas, porque na maior parte das vezes não sabemos a resposta, ou não temos à-vontade suficiente para darmos a resposta que conhecemos. Ficamos tão inseguros com este tipo de interrogatório, que o chamamos de absurdo e rezamos a todos os deuses ( os nossos e os dos outros ) para que a criança se distraia e nos liberte daquele sufoco.

Mas eu afirmo que, essas perguntas são as que verdadeiramente importam. Isto é tão verdade que, com o crescimento as crianças deixam de as fazer, transformando-as em outras cujas respostas são muito mais acessíveis, do tipo: Posso dormir fora? Empresta-me o carro? Posso faltar à escola? Etc.

Mas, reafirmo o que disse anteriormente, são as perguntas iniciais as verdadeiramente importantes e devemos sempre estar preparados para responder a elas, mesmo sabendo que um dias eles deixarão de as fazer.

No entanto, há crianças que durante toda a sua vida manterão este tipo de questões.
Acabarão por se tornar poetas, físicos ou filósofos.
Deus as abençoe.

(Henrique Moreira - 2011)